ARTIGO DE OPINIÃO
Porque é que aprender História importa

MIGUEL MONTEIRO DE BARROS | Presidente da Associação de Professores de História

A redução das horas letivas dedicadas à História encontra-se ligada à desvalorização da disciplina ocorrida a partir dos anos 80, consequência das perspetivas neoliberais então desenvolvidas, centradas no discurso económico e na redução do papel do estado. A esta redução não correspondeu uma adaptação dos programas, significando que práticas que potenciam o raciocínio crítico, essenciais ao desenvolvimento de uma consciência histórica de carácter humanista, como a análise de fontes com perspetivas diversas e contrastantes e a articulação entre passado e presente, deixaram de ocupar o lugar central que deveriam ter. E é aqui, no tempo que falta para que os alunos aprendam a pensar historicamente, ou seja, contra intuitivamente, que reside a raiz do problema do ensino da História. Aprender a pensar historicamente faz-se analisando, comparando e criticando fontes. Retirando este fator da equação, o que temos? Uma História narrativa de discurso fechado, que a maioria dos jovens se limita a interiorizar, sem questionar, situação refletida nos fracos resultados obtidos por estes nos exames nacionais.

No Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória parece querer reverter-se, pelo menos em teoria, a situação atual, ao afirmar-se que as humanidades constituem o cimento que fixa todos os conhecimentos, e que este é um perfil de base humanista. Mas este manifesto de intenções não chega – é preciso reverter o processo iniciado em 1998 e tal só acontecerá se houver coragem política para estabelecer tempos mínimos obrigatórios para o ensino da História. Até porque os resultados do inquérito efetuado pela APH junto dos seus associados – ainda que de alcance limitado, é certo – não auguram nada de bom: no 2º ciclo, 40% dos inquiridos disseram ter perdido um tempo letivo e 30% dois tempos letivos; no 3º ciclo 64% disseram ter perdido um tempo letivo e 24% dois tempos; no secundário 50% perderam um tempo letivo e 34% dois tempos. Mesmo que esta realidade não se venha a revelar tão dramática quanto estes números sugerem, o facto de existir esta tendência é preocupante, nomeadamente porque coloca em causa o princípio de igualdade que deveria existir entre todos os alunos sujeitos a provas nacionais de avaliação externa. A decisão sobre o número de horas letivas a atribuir às diversas disciplinas de História é demasiado importante para ser tomada localmente, nomeadamente pelos diretores das escolas, já que esses decisores, preocupados com questões de desenvolvimento local e regional, nem sempre entendem a necessidade de uma abordagem humanista do ensino ou o papel crucial que a consciência histórica de carácter humanista possui na formação dos cidadãos e na manutenção e consolidação da democracia. O mundo mudou muito e, para enfrentar os desafios das novas realidades virtuais, é absolutamente necessário reforçar o (bom) ensino da História. Não ser capaz de pensar historicamente significa não saber filtrar e interpretar criticamente a informação a que se é exposto, ficando-se mal equipado e permeável à demagogia e à mentira factual, como é o caso das fake news.

A essencialidade da História reside na sua capacidade em nos levar a entender quem somos e de como aqui chegámos, na sua capacidade para derrubar mitos e explorar períodos deliberadamente esquecidos ou versões inventadas do nosso passado coletivo, sem medos e sem fantasmas no armário. Não conseguiremos processar corretamente o Portugal de 2019 se não analisarmos crítica e refletidamente o Portugal de 1128, de 1385, de 1415, de 1580, de 1640, de 1820, de 1910, de 1926, de 1974, de 1985... O estudo da História tem de passar, necessariamente, por análises e reflexões críticas sobre o exercício do poder e de como o seu abuso pode levar à opressão. Deve também passar pelo estudo dos direitos humanos e das suas violações, da igualdade e dos preconceitos que levaram a intolerâncias, perseguições e destruições.

Esta é a História que queremos ensinar e aprender, em constante renovação e questionamento, que cria cidadãos pensantes e críticos e não agentes passivos do devir histórico, presas fáceis de populismos e de outros ismos. Esta forma de ignorância é perigosa e pode vir a revelar-se fatal para as democracias.

 

Published in 05.04.2019